// Estar com Deus: Diferença entre orar e rezar – as "vãs repetições" o famoso cisma protestante

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Diferença entre orar e rezar – as "vãs repetições" o famoso cisma protestante

ASSIM COMO atestam Michaellis, Aurélio e todos os dicionários da língua portuguesa, os termos orar e rezar são sinônimos. Aliás, é importante notar que essa duplicidade de termos que expressam uma mesma realidade é característica de nossa língua pátria. 

Em vários dicionários, o significado de Rezar significa, Proferir, dizer (oração ou súplicas religiosas); fazer preces: rezar dez padres-nossos. Referir, conter escrito: isto é o que reza a lei.
Fig. Resmungar, murmurar.
Dirigir súplicas (à divindade); orar: rezar aos santos. Tratar, falar: é um dos maiores feitos de que reza a história. V.i. Fazer oração a Deus ou aos santos.

Em inglês, por exemplo, o verbo "to pray" significa exatamente o mesmo: orar ou rezar, tanto faz. Em italiano, usa-se a palavra "pregare", que poderia ser traduzida como "suplicar" e que tem o mesmo sentido de orar ou rezar em nosso idioma. 

No desenvolvimento do português, – esta língua tão complexa, – surgiram muitos termos sinônimos, como: andar e caminhar; experimentar e experienciar; trabalhar e laborar; alimentar e nutrir; orar e rezar, etc, etc... De fato, não há absolutamente nenhuma razão para se diferenciar radicalmente os termos orar e rezar. Infelizmente existe um grande cisma, e alguns membros protestantes (maior parte evangélica) vem "ensinando" em sua doutrina, que existe uma grande diferença entre orar e rezar.

Criou-se a ideia de que "rezar" seria repetir "vãs palavras", enquanto que "orar" seria, verdadeiramente, falar com Deus. O fato é porque se apegar a essa grande diferença entre palavras que são sinônimas? Vamos tentar analisar a questão, a seguir.  O que os evangélicos alegam é que rezar seria uma vã repetição de palavras decoradas, feita mecanicamente, enquanto que orar seria falar a Deus daquilo que vem do coração, com entrega, com fé e amor. – Vários teólogos tanto do lado protestante quanto do lado católico tentam desmontar essa construção um pouco distorcida, vamos ao estudo:

Na doutrina católica, não existe regra alguma de que os católicos só podem se utilizar de orações prontas para falar a Deus. Todo católico pode e deve elevar suas próprias orações espontâneas ao Criador, usando as palavras que lhe vêm ao coração, para pedir, louvar, dar graças.
O uso das fórmulas prontas sempre serviu (e serve) como uma espécie de guia, para orientar sobre a maneira correta de falar a Deus, conforme instruiu o próprio Senhor Jesus Cristo: quando um dos discípulos lhe perguntou como deveriam rezar ou orar (Lc 11,1-4. Mt 6,9-14), Jesus não ensina "falem como quiserem, digam as palavras que lhes vierem ao coração". O que Jesus fez foi ensinar a oração do Pai Nosso, dizendo: "Quando orardes, dizei assim...". – Jesus, pessoalmente, ensinou uma fórmula pronta, para que compreendêssemos o que era mais importante pedir a Deus, e em que ordem e de que maneira devemos fazê-lo.

Por meio desse modelo, Jesus nos ensinou como devem ser as nossas orações e como elas se tornam aceitáveis a Deus, nosso Pai do Céu. Vemos que pode ser muito útil usar fórmulas prontas como orientadoras para os nossos momentos de oração. Foi assim que o Cristo nos ensinou, e isso não quer dizer, de modo algum, que as orações da doutrina católica sejam feitas mecanicamente, sem entrega, sem devoção, sem amor.

Os evangélicos, colocam os termos de debate no famoso "Está na Bíblia", "não está na Bíblia", "onde é que está na Bíblia...", no segundo passo vem a famosa citação do texto do Evangelho de Mateus:

“...Orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que por muito falarem serão ouvidos.” (Mt 6,7)"

A tradução acima é a do protestante português J. F. de Almeida (das versões 'corrigida e revisada' ou 'revisada imprensa bíblica'), as mais usadas pelos "evangélicos". Já a versão da NVI (Nova Versão Internacional), que é um trabalho de tradução conjunto entre teólogos católicos e protestantes, traz uma diferença vital:

"...Quando orarem, não fiquem sempre repetindo a mesma coisa, como fazem os pagãos. Eles pensam que por muito falarem serão ouvidos." (Mt 6,7)

Há uma diferença sutil, porém fundamental. Não fala em "vãs repetições". A NVI recebe críticas, tanto de católicos quanto de protestantes radicais, justamente pelos esforços conjuntos na tradução: ambos os lados consideram inadmissível a participação de apóstatas na tradução do texto sagrado. A lógica mais elementar, no entanto, grita o contrário: uma tradução conjunta, necessariamente descomprometida de interpretações teológicas particulares, terá que ser necessariamente próxima do que o texto original realmente diz, pois o único modo de não ferir posições contrárias é ater-se ao que está dito, sem pender nem para a direita e nem para a esquerda. Já a tradução da Sociedade Bíblica Britânica diz assim:

"Quando orardes, não useis de repetições desnecessárias como os gentios; porque pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos." (Mt 6,7)

E quando examinamos a mesma passagem numa Bíblia aprovada pela Igreja Católica (como a da editora Ave Maria), notamos a divergência:

“Nas vossas orações, não multipliqueis as palavras como fazem os pagãos, que julgam que serão ouvidos à força de palavras.” (Mt 6,7)

A tradução também católica da editora Vozes é a seguinte:

"...Nas orações, não faleis muitas palavras, como os pagãos. Eles pensam que serão ouvidos por causa das muitas palavras." (Mt 6,7)

Observe que existe, no mínimo, uma controvérsia em se usar a expressão "vãs repetições", escolhido por Almeida e da qual os "evangélicos" mais usam, na tradução da passagem em questão. 

Vamos analisar agora o texto bíblico original, em grego:

“Προσευχόμενοι δὲ μὴ βατταλογήσητε ὥσπερ οἱ ἐθνικοί, δοκοῦσιν γὰρ ὅτι ἐν τῇ πολυλογίᾳ αὐτῶν εἰσακουσθήσονται”.

(Transliteração:'Proseukomenoi de me battaloyesete osper oi etnikoi, dokusin gar oti en te polylogia auton eisakustesontai').


O vocábulo-chave aí é πολυλογίᾳ, que se pronuncia polylogia, e se traduz da seguinte maneira: poly quer dizer muito, bastante, em grande número; logia quer dizer palavra, discurso, descrição, linguagem, estudo, teoria. No contexto em questão, o termo está mais diretamente relacionado ao sentido de palavra. O termo polylogia, portanto, quer dizer algo como tagarelice, falatório, verborragia, prolixidade. Como vemos, na fiel tradução desta passagem dificilmente caberiam as palavras “vãs” e “repetições”, tão alardeadas.

Outro ponto importantíssimo é compreender que Jesus diz que não devemos falar muito, multiplicando as palavras (atenção) do mesmo modo como fazem os pagãos. É claro que os pagãos não recitavam os salmos, nem as orações dos judeus e muito menos o Pai Nosso, que o Senhor ensinou aos seus discípulos.

Agora, se "rezar" fosse o mesmo que usar de "vãs repetições", no sentido de repetir as mesmas palavras, então Jesus mesmo rezava, como vemos no Evangelho segundo S. Marcos, que mostra o Cristo falando a Deus Pai no jardim de Getsêmani, antes de Judas o trair:

"E, afastando-se de novo, orava dizendo novamente a mesma coisa..." (Mc 14, 39)

Muitos púlpitos no Brasil, liderados por pastores evangélicos dizem que Jesus estava cometendo um erro, "rezando" em vez de "orar", usando de "vãs repetições"...

Muitos evangélicos, por se aterem somente a palavra escrita (sola scriptura) acabam memorizando palavra por palavra as escrituras e criam "as vãs repetições". O problema é entendermos o que realmente está escrito. Além disso, muitas comunidades ditas "evangélicas" procuram valorizar sempre as diferenças, por menores que sejam, aumentando cada vez mais o fosso da separação entre cristãos. Acentuando as diferenças, seja no culto ou nas palavras, imediatamente se identificam como “crentes” ou “evangélicos” e se distanciam de católicos e ortodoxos. Ainda pior, querelas fúteis como esta servem de pretexto para alimentar a confusão entre os que buscam o verdadeiro cristianismo.  

Para finalizar, observemos o Salmo 135/6, que reproduzimos abaixo (tradução protestante de J. F. de Almeida):

"Louvai ao SENHOR, porque ele é bom;
Porque a sua benignidade dura para sempre.

Louvai ao Deus dos deuses;
Porque a sua benignidade dura para sempre.

Louvai ao Senhor dos senhores;
Porque a sua benignidade dura para sempre.

Aquele que só faz maravilhas;
porque a sua benignidade dura para sempre.

Aquele que por entendimento fez os céus;
Porque a sua benignidade dura para sempre.

Aquele que estendeu a terra sobre as águas;
Porque a sua benignidade dura para sempre.

Aquele que fez os grandes luminares;
Porque a sua benignidade dura para sempre..."
E assim prossegue a oração do salmista, até o final,repetindo sempre a mesma fórmula, de novo e de novo. Assim crê-se que o argumento de que os católicos usam de vãs repetições em suas orações, junto com a suposta importante diferença existente entre os termos "orar" e "rezar" não acontece.

Tanto "rezar" quanto "orar" englobam todos os gêneros de súplicas a Deus, desde aqueles de petição e agradecimento até as orações de louvor e glorificação ao Criador. 

Não se trata de nenhum segredo escondido: o leitor pode comprovar esta simples realidade através de breve pesquisa. Tudo que precisamos fazer é deixar de dar ouvidos aqueles que se consideram donos da verdade, e buscar a Vontade de Deus com amor soberano, pureza de alma, fé desapegada e absoluta sinceridade.

2 comentários:

  1. Gostaria que dissessem algo sobre o termo grego βατταλογήσητε que podemos traduzir por gaguejar, que, naturalmente não pode se aplicar ao caso.

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  2. Gostaria de saber o exato sentido de βατταλογήσητε.

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