Coisas interessantes que deveriamos saber sobre o CÂNON, escritura sagrada que todos conhecemos.
1) Quanto se define um cânon judaico.
É proposto que o cânon palestinense teria sido estabelecido em Jâmnia por volta dos 90-100 d. C. no período de Gamaliel II e Eleazar bem Azariah (80-117 d. C.), embora não há provas de que ali tenha se constituído uma lista definitiva, pois, não se conhece os livros que teriam sido excluídos em Jâmnia.
Oscilação do cânon entre os cristãos antes de Trento: Igreja Primitiva, Padres, Jerônimo, Concílios.
Os escritos do novo testamento mencionam a Lei, os Profetas e os Salmos, tem várias alusões aos deuterocanônicos e poucas ou nenhuma de alguns livros canônicos, além de algumas citações de apócrifos. A maioria das citações do período neotestametário eram oriundas da versão LXX, 300 de 350 mais precisamente, embora esta também reflete a ausência de um Cânon, os cristãos não tinham portanto diretrizes precisas sobre um cânon naquele período. Os Padres eram bastante familiarizados com os livros deuterocanônicos e também com algumas citações apócrifas como do livro de Henoc, depois da fixação do cânon pelos judeus a repercussão entre os cristãos será de ir em sentido contrário, nestas controvérsias afirmar-se-á a manutenção da LXX como integrante da Escritura.
Nos concílios de Hipona (393) e Cartago (397), a Igreja ocidental aceitou no cânon os livros deuterocanônicos rejeitados pelos judeus, as posições são oscilantes entre os concílios e sínodos até Florença (1441) aceitar o cânon mais amplo da Escritura, embora não se apresente como um cânon solene e normativo.
2) Cânon no século IV e V: unidade e variação.
Embora os Concílios de Cartago e Hipona tenham aceito os livros deuterocanônicos rejeitados pelos hebreus, alguns padres orientais e ocidentais optaram pelo cânon estabelecido pelos judeus como Atanásio, Cirilo de Jerusalém, Gregório Nazianzo, Rufino.
3) Critérios Utilizados para definir o Cânon no Concílio de Trento e no Concílio Vaticano II.
Somente Trento em 1946 definiu o cânon mais amplo do AT, sob os critérios da leitura litúrgica dos livros pela comunidade cristã e sua presença na versão Vulgata. A Igreja baseou-se no uso mais comum e universal dos livros pelos cristãos na história do cristianismo. O Vaticano II segue a linha do Vaticano I na manutenção do cânon estabelecido por Trento, identifica na Tradição o critério definitivo para a definição do cânon, utilizando três critérios: a inspiração pelo Espírito Santo, Deus por autor e os livros confiados por Deus à própria Igreja, a Tradição.
4) Lista do NT segundo Lutero: “verdadeiros, seguros, mais importantes dos livros do NT”, critérios utilizados por ele e posição de K. Barth.
Lutero apelava para o testemunho dado pela Escritura em Cristo e sua obra redentora, e com esta base distinguia diversos graus de autoridade entre os livros sagrados do NT. K. Barth afirma que a fixação do cânon, como regra de fé, é obra da Igreja por volta dos anos 400. Para os luteranos ouve uma contaminação do Evangelho puro pelos escritos mais recentes. Dever-se-ia encontrar dentro do NT, no cânon atual a “pureza do Evangelho”.
5) Distinção entre Sagrada Escritura e Tradição.
A teologia católica apresenta duas posições que vão um pouco além dos critérios de Trento:
P. Grelot – afirma que a constituição do cânon foi o primeiro ato solene do magistério da Igreja pós-apostólica, com relação ao depósito da Revelação que ela é chamada a guardar e conservar, isto significa não diminuí-la, nem modificá-la, nem ampliá-la, pois, de acordo com Grelot foi o mesmo Espírito que inspirou os autores sagrados e os apóstolos, bem como, assistiu a Igreja em sua infalibilidade na conservação e integridade do depósito da Revelação.
K. Rahner – para ele as Escrituras nascem como uma genuína auto-representação da Igreja apostólica, e somente elas, são por isso mesmo inspiradas e canônicas, ainda que o definitivo reconhecimento explícito de sua inspiração e canonicidade se verifique apenas mais tarde.
6) Diferença entre livro inspirado e livro canônico.
No novo testamento um texto é considerado canônico, portanto, pertencente à Sagrada Escritura quando deriva de um apóstolo exprimindo seu carisma e ministério com caráter normativo aos que se destina. Se alguns destes textos não foram ainda encontrados, seguindo os critérios de Trento, eles não podem integrar a Sagrada Escritura, pois, embora inspirados e, portanto, pertencentes à Tradição da Igreja não acrescentam nada de novo à Revelação já inspirada na Sagrada Escritura. Assim, toda a Sagrada pertence à Tradição da Igreja, pois, é oriunda do modus vivendi do povo cristão, mas nem tudo o que é Tradição nos tempos bíblicos pertence ao cânon das Escrituras.
7) A LXX é inspirada: segundo qual critério?
A LXX tornou-se a “Bíblia cristã em oposição a Bíblia hebraica nos primeiros séculos e teve sua inspiração afirmada por Justino, Irineu, Clemente Alexandrino, Cirilo de Jerusalém e Agostinho. No Oriente sua inspiração é afirmada até hoje. No Ocidente, embora seja a fonte da Vertus Latina, sua inspiração foi questionada, sobretudo, no século XX, autores como Benoit, Grelot e Le Déaut afirmam sua inspiração, Shökel opta pela canonicidade das partes citadas no NT, já Valério Mannucci diz que o problema é antes de tudo uma questão de crítica textual que deve ser resolvido por esta ciência em específico. Embora vale lembrar sempre que LXX não é uma mera tradução, mas revela uma evolução na interpretação dos textos hebraicos, o que remete a um questionamento se não haveria aí uma evolução da própria Revelação.
8) As Questões do Protocatolicismo no NT e do “Cânon no Cânon”
O termo foi cunhado pelo luterano Harnack, e designa os estágios iniciais do sacramentalismo e da hierarquia, dos ministros ordenados e do dogma, ou seja, o início das características do cristianismo católico. Para a Reforma o catolicismo havia tomado corpo apenas na Idade Média, mas Bultmann afirma no século XX que sua origem remonta já ao NT, que haveria na descrição da organização da Igreja nas cartas pastorais e nos AT uma organização tipicamente protocatólica.
Segundo os luteranos ouve uma contaminação do “Evangelho puro” pelos escritos mais recentes, o que implica na necessidade de reencontrar dentro do cânon atual, a “pureza evangélica”, neste aspecto as opiniões são diversificadas e a decisão fica remetida aos critérios marcados pelo subjetivismo da Reforma.