// Estar com Deus: O QUE SÃO FRANCISCO DIRIA AOS JOVENS DE HOJE

sábado, 7 de dezembro de 2013

O QUE SÃO FRANCISCO DIRIA AOS JOVENS DE HOJE

Meus queridos jovens, irmãos e irmãs.

Alegro-me que o Papa Francisco que leva meu nome entrá entre vocês.
Ele quer propor a toda Igreja o sonho que eu vivi em Assis há mais de 800 anos com meus companheiros e minha querida amiga Clara: uma vida segundo o evangelho de Jesus, na simplicidade, na pobreza voluntária, na sobriedade compartida, amando a todos, especialmente os mais pobres, e considerando a todos os seres da natureza como meus irmãos e irmãs.

Deixem-me que me transporte para o vosso tempo e lhes diga o que o Espírito de Deus me inspirar.

Amar e cuidar da Mãe Terra.
Em primeiro lugar lhes suplico: amem e cuidem da irmã e Mãe Terra. Ela está doente e com febre. Já há muito tempo que a estamos superexplorando. Para repor o que lhe tiramos num ano ela precisa de um ano e meio. Para vocês do Brasil a Terra lhes entregou talvez a herança mais preciosa: A Floresta amazônica, a abundancia de água doce, a diversidade dos seres vivos e a grandes extensos solos férteis. Guardai essa herança para vossos filhos e filhas e toda a humanidade.

Devemos urgentemente fazer uma aliança global e cuidar da Terra e uns dos outros, caso não quisermos conhecer grandes dizimações que afetarão toda a comunidade de vida. Corremos, portanto, grande risco. Mas se assumirmos uma responsabilidade solidária em um comportamento de cuidado com tudo o que existe, poderemos escapar desta tragédia. E vamos escapar.

Estar do lado dos pobres e oprimidos.
Muitos filhos e filhas da Mãe Terra, irmãs e irmãos de vocês, são pobres e passam fome. Milhões foram tirados da pobreza e podem ter uma vida minimamente digna. Mesmo assim, há tantos caídos nas estradas, por causa das doenças, das drogas, da falta de um teto. Sejam o bom samaritano que se curvou diante deles e os ajudou a se levantar. Jesus continua crucificado nos crucificados deste mundo. Precisamos baixá-lo da cruz e faze-lo ressuscitar.

Resgatar os direitos do coração.
Há uma coisa que me vem do fundo do meu coração e que preciso dizer-lhes: temos que mudar a nossa mente e o nosso coração.

Mudar a mente para olhar a realidade com outros olhos. Os estudiosos hoje nos comprovam que a Terra é viva e não apenas algo morto e sem propósito, uma espécie de baú de recursos ilimitados que podemos usar como queremos. Eles são limitados, como a energia fóssil do carvão e do petróleo, a fertilidade dos solos e as sementes. Precisamos poupar estes bens e serviços para que sejam suficientes para nós e para as futuras gerações.

Os astronautas, lá da lua ou de suas naves espaciais, nos testemunharam: Terra e Humanidade são inseparáveis; formam uma unica entidade, indivisível e complexa. Por isso, nós seres humanos, somos aquela porção da Terra que sente, que pensa, que ama e que venera. Somos Terra e tirados da Terra como nos dizem as primeiras páginas da Bíblia. Mas recebemos uma missão unica, a de cuidar e guardar todas as bondades naturais. Somos os guardiães da herança que Deus e o universo nos confiaram para que possam durar e atender as nossas necessidades e as de nossos filhos e netos.

Além da mente devemos mudar também o nosso coração. O coração é o lugar do sentimento profundo, do afeto caloroso e do amor sincero. O coração é o nicho de onde crescem todos os valores. Precisamos resgatar os direitos do coração.

Junto com a razão intelectual que vocês tanto exercitam na escola, no trabalho e na condução da vida, existe a inteligencia cordial e sensível. Só com a razão intelectual sem a razão cordial não vamos sentir o grito dos pobres, da Terra, das florestas e das águas. Sem a razão cordial não nos movemos para ir ao encontro dos que gritam e sofrem para socorre-los, oferecer-lhes um ombro e salva-los.

Por isso, meus queridos jovens, vocês que naturalmente são sensíveis para os grandes sonhos e para o voo da águia na direção das alturas, cultivem um coração que sente, que se comove, que não tem vergonha de chorar diante do demasiado sofrimento de muitos irmãos e irmãs.

Aprender a habitar de maneira diferente a Terra.
Mais uma coisa gostaria de dizer-lhes confiadamente: importa inaugurarmos uma nova maneira de habitar o planeta Terra. assim como estamos, não podemos continuar. Até agora habitávamos dominando com o punho fechado e submetendo tudo ao nosso interesse. Sonhávamos comum progresso ilimitado. Hoje estamos conscientes de que a Terra, pequena e limitada, não aguenta um projeto ilimitado. Encostamos nos seus limites. Porque continuamos a forçar estes limites, a Terra responde com tufões, enchentes, secas, terremotos e tsunamis. Temos que mudar, se quisermos sobreviver.

No lugar do punho fechado devemos ter a mão aberta para o cuidado essencial, para o entrelaçamento dos dedos numa aliança de valores e princípios que poderão sustentar um novo ensaio civilizatório. Nele, o centro será ocupado pela vida da natureza, pela vida humana e pela vida da terra. A economia e a política estarão a serviço mais da vida do que do mercado e do lucro.

A mudança começa por vocês.
Caros jovens: sejam vocês mesmo a mudança que querem para os outros. Comecem vocês mesmos a viver o novo, respeitando cada um dos seres da natureza, cada planta, cada animal, cada paisagem, porque eles possuem um valor em si mesmo, independente do uso racional que fizermos deles, São nossos irmãos e irmãs. Com eles fundaremos uma convivência de respeito, de reciprocidade e de mutua ajuda para que todos possam continuar vivos neste planeta, também os mais vulneráveis para os quais devotaremos mais cuidado e amor.

Resistam à cultura da acumulação e do consumo. Vivam uma sobriedade compartida; façam a experiência de que com menos poderão ser mais, livres e felizes.

Mantenham sempre viva dentro de vocês a chama sagrada.
Por fim, caros jovens, irmãos e irmãs meus queridos: nada disso tudo que refletimos terá eficácia, se não misturarmos Deus em todos os nossos empreendimentos. Dentro de cada um de vocês queima uma brasa viva e arde uma chama sagrada: é a presença misteriosa e amorosa de Deus. Ele emerge de forma sensível no fenômeno do entusiasmo, tão forte na idade de vocês. Entusiasmo significa ter um Deus dentro: é o Deus interior, Deus companheiro e amigo, Deus de amor incondicional.

Reservem cada dia um momento para pensar nele, conversar com ele, queixar-se com ele e chorar diante dele e dirigir-lhe uma súplica. Às vezes não digam nada. Coloquem-se apenas em silêncio diante dele. Ele poderá lhes falar e lhes suscitar bons sentimentos e luminosas intuições. Nuca abandonem Deus, porque Ele nuca os abadona e abandonará. Vivam como quem se sente na palma de sua mão.

Deus é o "soberano amante da vida" e o nosso grande aliado.
Desde que o Filho de Deus por Jesus assumiu a nossa humanidade, ele assumiu também uma parte do cosmos, da Terra e dos elementos do universo. Portanto, estes já foram divinizados e eternizados. Nunca mais serão ameaçados. Mas nós podemos colocá-los em risco de extinção. Consolam-nos, entretanto, as palavras da revelação que nos dizem que Ele, Deus, é "o soberano amante da vida" (Sab, 11,24). Ele sempre ama tudo o que um dia criou. Não se esquece de nenhuma criatura que nasceu do seu coração. Por isso, confiemos todos, que Ele vai aliviar a vida dos pobres, atender o grito da nossa querida Mãe Terra e garantir o futuro da vida que é o futuro de vocês todos.

Não desperdicem o tempo, porque ele é urgente. Desta vez não podemos chegar atrasados nem cometer erros, pois corremos o risco de não termos volta nem forma de correção dos erros cometidos. Mas não percam o entusiasmo nem esmoreça a alegria do coração. A vida sempre triunfa porque Deus é vivo e nos enviou Jesus que disse: "Eu vim para trazer vida e vida em abundancia".

Era o que queria, do fundo de meu coração, lhes falar.

Por fim, faço-lhes um pedido muito especial: rezem, apoiem, colaborem com o Papa que leva o meu nome, Francisco. Ele vai restaurar a Igreja de hoje como eu tentei restaurar a Igreja do meu tempo. Sem a ajuda de vocês, se sentirá fraco e terá grades dificuldades. Mas com o entusiasmo e o apoio de vocês, nos seus grupos e movimentos, ele vai cumprir a missão que Jesus lhe confiou: de confirmar a todos na fé e na esperança e de conferir um rosto confiável a nossa Igreja. Com vocês ele será forte e irá conseguir.

Agora, antes de nos despedirmos, lhes darei a benção que um dia dei ao meu intimo amigo Frei Leão, a ovelhinha de Deus:

Que Deus vos abençoe e vos guarde.
Que Ele mostre a sua face e se compadeça de vós.
Que devolva o seu rosto para vós e vos dê a paz.
Que Deus vos abençoe.
Paz e Bem.

Francisco,
O Poverello e Fratello de Assis.

Leonardo Boff *
C.P. 92144
25750-970 Petrópolis, RJ
e-mail: lboff@leonardoboff.com


* Por muitos anos o Autor foi professor de teologia na atual Faculdade de Teologia do Instituto Teológico Franciscano, de Petrópolis, e é autor de: Francisco de Assis: ternura e vigor (Vozes-CEFEPAL/1981) e Francisco de Assis e Francisco de Roma (Mar de Ideias/2013), de onde foi tirado este texto.

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